terça-feira, 30 de junho de 2020

A Outra Rebeca "Heisenberg's Magic Mirror of Uncertainty" de Duane Michals


Sempre fui uma menina muito contida, não falava mais do que o necessário. Minha criação foi feita pelos meus avós, em sua grande casa que era repleta de antiguidades de várias gerações de nossa família. Tenho lembranças boas de todos aqueles objetos, que para mim representavam lembranças de meus antepassados, porem um em especial me chamava muito a atenção. Um espelho, ele era redondo e sua aparência antiga demonstrava o desgaste pelo tempo, mas o grande motivo que me fazia ficar horas olhando fixamente para ele, era a forma anormal com que ele me refletia. Apesar de imagem ser a minha algo causava estranheza, − não sei exatamente como descrever −, era como se fosse uma outra pessoa, mas com minha aparência.

Nunca questionei meus avós a respeito do espelho, afinal de contas como perguntaria algo se nem mesmo tinha certeza que eles viam a mesma coisa que eu. Ao passar do tempo fui tendo uma estranha relação com esse espelho, todos os dias ficava horas olhando para ele, sentia algum tipo de interação com o meu reflexo, por isso comecei a me dirigir ao reflexo como “A Outra Rebeca”, para ela eu me abria, contava todas as angustias e incertezas que sentia, além dos problemas que tinha em criar laços com outras pessoas. Com certeza isso foi algo que me ajudou bastante naquela fase.


Quando completei meus 20 anos decidi que já era hora de sair da casa dos meus avós, parti rumo ao centro da cidade, e lá aluguei uma casa modesta, no dia de minha partida, minha avó veio até mim e me disse: − Leve o espelho consigo minha filha, será uma forma de se lembrar de nós mesmo estando longe – não havia como negar tal pedido, então continuei minha parceria com “A Outra Rebeca”.

Já estalada em minha nova moradia, porém não estava tendo muita sorte em arrumar um emprego, em mais uma noite sem sucesso, cai aos prantos, sabia que minha timidez afastava as oportunidades, mas era algo mais forte que eu. Então parei na frente do velho espelho, precisava de um conselho, uma ajuda, qualquer coisa.

Foi ai que eu ouvi... Era fraco como um sussurro, mas eu ouvi, vinha do reflexo “A Outra Rebeca”, estava tentando se comunicar comigo. No início ela me consolava, e nos meses seguintes comecei uma total mudança em minha personalidade, seguindo suas recomendações.


As coisas começaram a dar certo para mim, consegui um trabalho, e com a ajuda dos conselhos do espelho eu comecei a me envolver com Antônio, um homem esguio, de cabelo curto, apesar dos cabelos grisalhos não tinha a idade que aparentava, nossas paqueras foram se intensificando, até o momento em que finalmente o convidei a vir em minha casa. Preparei a casa para a chegada dele, posicionei o espelho em um canto da sala para que “A Outra Rebeca”, pudesse me ajudar com seus conselhos.

Sua chegada foi pouco depois do pôr do sol. Antônio estava muito bem trajado – me senti até envergonhada perante tamanha elegância – logo nos sentamos para conversar, porem os interesses de Antônio pareciam outros, e pouco tempo uma de suas mão foi pousada em minha perna, talvez pela minha natureza tímida fiquei extremamente incomodada com essa atitude, sem saber bem o que fazer olhei para o espelho, quando fiz isso tive como resposta: – Cuidado com esse homem, suas intenções não são boas – senti todo meu corpo congelar perante tal afirmação, minha mente foi recheada com dúvidas, ainda atônita me levantei e caminhei até o espelho. Fiquei frente a frente com meu próprio reflexo, então baixei a cabeça para refletir qual seria minha decisão, ouvir o que o espelho diz e dispensar Antônio de minha casa, ou ignorar o aviso e continuar com o encontro.

Mas antes mesmo de terminar meu raciocínio Antônio se levantou, e se aproximou perguntando o que estava acontecendo, quando levantei novamente a cabeça para olhar o espelho, vi pelo reflexo que Antônio estava com uma faca em uma de suas mãos, em um movimento rápido peguei uma lata que usava de porta canetas e acertei sua cabeça, ele caiu desacordado.

Em estado de choque eu tentava pensar o que estava acontecendo, em busca de auxilio me voltei para o espelho novamente. Mate-o dizia o espelho ­– Aproveite enquanto ele não pode reagir – não tinha certeza se deveria ou não mata-lo, mas com tamanha insistência vinda da “Outra Rebeca”, não tive outra escolha, fui até a cozinha e busquei a mais afiada faca que encontrei, voltei até a sala e antes de executar o ato em si olhei novamente para o espelho. Um sorriso largo se apresentava em meu reflexo, e sem hesitar golpeei seu peito, muito sangue começou a jorrar, continuei cortando seu corpo até o separar em várias partes. O espelho me aconselhou a enterrar os restos de Antônio por vários lugares diferentes, e assim o fiz por toda a madrugada. Quando o sol já estava nascendo retornei à minha casa, e mais uma vez olhei para o espelho, porem dessa vez meu reflexo não parecia estar diferente, e não ouvi mais nenhuma voz da “Outra Rebeca”, encarei meu próprio reflexo por algum tempo até chegar ao pensamento. 


Será que esse tempo todo era apenas meu verdadeiro eu que estava sendo refletido?


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